11 julho 2009

O enorme risco da arena para o Grêmio

O Rio Grande do Sul alcançou um destaque ímpar no cenário esportivo mundial. Afinal que outra cidade do porte de nossa Capital tem dois campeões mundiais, três títulos da Libertadores, cinco Copas do Brasil, cinco campeonatos brasileiros etc.

A pujança de nosso futebol está alicerçada na disputa e na igualdade de Grêmio e Internacional. É curioso observar a extrema similitude do currículo dos dois clubes: (1) ambos têm pouco mais de um século de existência, sempre dedicada ao futebol; (2) o número de vitórias em confrontos diretos é muito parecido, apesar dos 100 anos de disputas; (3) o número de campeonatos regionais também é muito semelhante; (4) o Grêmio tem mais "Copas do Brasil", enquanto o Inter tem mais "Brasileiros"; (5) o Grêmio tem duas "Libertadores" e o Inter uma; (6) ambos foram campeões mundiais.

Esse equilíbrio é exatamente reconhecido como o fator motivador de nosso sucesso no mundo do futebol.

Pois esta paridade poderá ser rompida, se o Grêmio insistir na absurda idéia de construir a Arena nos moldes anunciados.

Se forem concluídos os dois projetos hoje prometidos, em 2014 o Internacional terá um imenso patrimônio e contará com um complexo esportivo incomum entre clubes de futebol. O Grêmio, ao contrário, será um time de futebol com um estádio que somente será seu 20 anos depois, sendo que durante todo esse período pagará um aluguel que absurdamente até hoje não foi calculado.

O Grêmio no seu aspecto institucional é quase um ente público. Assim sendo, a sua administração exige transparência absoluta, que não está sendo aplicada no presente caso. Por quê?

Ser um clube moderno não é correr riscos excessivos. Moderno hoje, sem dúvida, é ter cautela, especialmente se lembrarmos da recente crise econômica que assolou o mundo.

Há um ano modernidade poderia ser sinônimo de riscos elevados. Hoje, moderno é ter cautela e riscos minimizados. Que bom para o mundo que houve essa mudança e que pena que o Grêmio ainda seja antigo neste tópico de muitíssima e vital importância, preferindo correr um risco exacerbado, desnecessário e totalmente desproporcional ao tamanho do Clube!

Apesar da propalada e aparente complexidade do negócio Arena, tudo pode ser resumido à simples aquisição de um estádio pronto, através de uma parcial dação em pagamento da área da Azenha e pela participação da construtora durante 20 anos na exploração econômica do novo estádio.

O Grêmio sabe quanto custará a construção da Arena (R$ 307.000.000,00), segundo foi divulgado.

Mas o absurdo é que o Grêmio não sabe quanto pagará pelo novo estádio. Quem fez essa afirmação peremptória perante uma platéia de 50 gremistas no Restaurante Copacabana (alguns dias atrás) foi um dos dirigentes da Grêmio Empreendimentos.

Mas o show de horrores e absurdos não para por aí, pois o Grêmio não tem uma avaliação atualizada da Azenha e assim também não sabe quanto vale a área que está sendo entregue em dação em pagamento. A avaliação que existe é anterior à elevação do índice de construção, o que a torna imprestável.

Quem de nós, na administração de nossos negócios pessoais, faria um negócio sem saber o seu valor final? Quem de nós, na administração de nossos negócios pessoais, daria como parte do pagamento de um negócio uma área não avaliada corretamente?

Se nós não faríamos pessoalmente um negócio similar, por que o Grêmio deve fazer?

Um clube com uma dívida imensa, cuja atividade fim são resultados em campo, não deve comprometer 100 anos de história, lutas, glórias e conquistas em uma aventura totalmente despropositada, cujos benefícios principais serão auferidos por terceiros.

E não se diga que a construção do novo estádio não sangrará recursos do futebol. Pelo acordo assinado com a OAS, o Clube deverá desonerar as penhoras incidentes sobre a Azenha no período de três anos. De onde sairá este dinheiro? Obviamente que do futebol, tanto que a garantia exigida pela OAS, admitida pelo Grêmio, é exatamente a verba da televisão.

Ou seja, nos próximos 3 anos o Grêmio deverá "desviar" R$ 21.000.000,00 de sua atividade fim, para liberar a área que será entregue para a OAS.

É quase impossível de imaginar que os atuais dirigentes do Grêmio saibam das condições do contrato assinado ainda na gestão passada, pois o eventual descumprimento da destinação de R$ 7.000.000,00 anuais da verba da televisão, poderá implicar na prisão dos dirigentes que não forem adimplentes com a obrigação, eis que são considerados "depositários" daqueles valores.

Fica assim evidente que o valor acima referido será honrado, em prejuízo das demais atividades do Clube, em especial o futebol.

Muitas das dificuldades que o Grêmio enfrentou e enfrenta dentro de campo decorrem de péssimas administrações e da consequente insuficiência de recursos para manter ou trazer atletas.

É inadmissível que um clube com a grandeza do Grêmio tenha enfrentado imensas dificuldades para pagar um milhão de dólares ou euros por um jogador considerado necessário (Souza).

É inadmissível que o Grêmio tenha precisado vender jovens promessas para poder manter um jogador reconhecidamente bom, mas certamente já muito mais perto do final da carreira.

É inadmissível que o Grêmio sistematicamente precise vender craques e promessas de craques e pense simultaneamente em construir um luxuoso estádio.

O objetivo do Grêmio são vitórias, títulos e o estádio deve ser uma conseqüência da grandeza esportiva do Clube. O Grêmio não é uma empresa imobiliária, mas um clube de futebol.

Todos nós sabemos, e a história está aí para confirmar, que sonhos e projetos faraônicos são o caminho mais curto para a ruína.

Clubes endividados namoram o rebaixamento, enquanto clubes equilibrados financeiramente disputam títulos. Não é por outro motivo que TODOS os grandes clubes brasileiros que foram rebaixados para a segunda divisão enfrentavam — exatamente no momento dos rebaixamentos — graves crises financeiras, posteriores a administrações desastrosas e pródigas em gastar desmesuradamente, além de outros problemas.

A construção da Arena não aponta para qualquer indicativo de solução para os graves problemas que o Grêmio hoje enfrenta, muito pelo contrário, denotam condições e riscos não ponderados adequadamente pelos dirigentes, capazes de comprometer um passado de glórias, um presente de muitas lutas e um futuro que não nos pertence, mas que deverá — desejamos nós — ser saboreado por nossos filhos.

O que mais precisará mais para que o Grêmio para não queira essa Arena?

Por que não recuperamos o Olímpico? Basta explorar as áreas contíguas ao estádio ("carecão", ex-piscinas, ginásio, Mosqueteiro), transformando-as em centro empresarial, shopping, hotel, centro de convenções, estacionamento etc.

Com o dinheiro da exploração destas áreas o Grêmio reforma o Olímpico e ainda segue recebendo rendimentos indefinidamente. Pode manter o campo suplementar, transformando-o em um mini-estádio, com estacionamentos no sub-solo.

Por que não?

Por que não consultar a torcida sobre a reforma do Olímpico ou a construção da Arena?

Por que não?

E não venham dizer que o Olímpico está localizado em lugar de difícil acesso para os padrões Fifa.

Essa balela de "padrão Fifa" é uma ilusão, pois se algum jogo vier a ser realizado na nova Arena na Copa do Mundo de 2014 (contrariando todas as indicações até agora existentes que apontam para o Beira-Rio), não será muito diferente de uma partida entre Zaire e Namíbia.

Em lugar de difícil acesso está o Beira-Rio, previamente escolhido pela FIFA como palco das partidas da Copa do Mundo em Porto Alegre, o qual está confinado entre o Guaíba e o morro Santa Tereza, somente possuindo acesso em dois sentidos.

O fato do assunto ter transitado e ter sido aprovado por diversas comissões e pelas mãos e cabeças de diversos gremistas "eméritos" não é impeditivo de uma revisão urgente, pois os equívocos são próprios dos seres humanos.

A maior prova disto — no âmbito do próprio Grêmio em passado muito recente — é o contrato da ISL, aprovado por todas as comissões e quase unanimemente pelo Conselho (apenas 05 conselheiros votaram contra) e que se revelou um equívoco monumental. Nesse caso, a sorte do Grêmio foi que a ISL quebrou, pois do contrário hoje o Clube não teria sequer um estádio.

A discussão do contrato da ISL gerou um consenso muito maior do que a construção da Arena entre os sócios, conselheiros e dirigentes. E nem por isso deixou de ser um erro histórico.

Ainda quanto a aprovação da matéria pelo Conselho Deliberativo há alguns outros aspectos que merecem reflexão, pois esse negócio realizado pelo Grêmio não sobrevive a uma discussão judicial.

Primeiro, porque a aprovação da matéria perante o Conselho Deliberativo ocorreu sem a aferição das presenças ("quorum"), oportunamente requerida conforme consignado em ata e, segundo, porque o texto aprovado não corresponde ao contrato firmado. Somente esses motivos seriam suficientes para colocar em dúvida a questão da matéria já estar vencida. Para que uma matéria esteja vencida é preciso que tenham sido cumpridos os requisitos formais.

Contudo essa questão apresenta mais um "senão", qual seja o fato de que o Conselho Deliberativo tem no máximo legitimidade para fazer a representação associativa e jamais a representação patrimonial dos titulares de quotas de Fundo Social. Uma coisa é representação associativa e outra, muito diferente, é representação patrimonial.

Talvez não seja do conhecimento de todos, mas o Grêmio comercializou no passado quotas de "Fundo Social", onde cada proprietário de "Fundo Social" é titular de 1/1000 de todo o patrimônio imóvel e móvel do Grêmio (assim está expressamente consignado em documento próprio). Nota-se claramente que essa relação patrimonial não pode ter sido representada pelo Conselho Deliberativo, pois os titulares de quotas de "Fundo Social" têm a co-propriedade do patrimônio do Grêmio.

Gostem alguns ou não, esta é uma situação consolidada sob o prisma jurídico. Trata-se de um exemplo típico de direito adquirido, através de um ato jurídico perfeito.

Assim, o fato da aprovação da construção da Arena pelo Conselho Deliberativo não é impeditivo de uma revisão, caso se perceba e se reconheça que houve equívocos no curso do processo. O que vale mais: insistir em um erro ou correr o risco de acabar com um clube de 100 anos de tradição?

Contudo, há outros fatos relevantes e que não foram devidamente analisados nesse processo. O parecer da Comissão de Patrimônio não pode ser tido como favorável ao negócio firmado com a OAS. Exatamente a comissão mais importante em todo esse processo, teve uma posição que não pode ser tida como de aprovação.

E mais, o alardeado estudo da Fundação Getúlio Vargas/FGV somente indicou como favorável ao negócio realizado pelo Grêmio um cenário totalmente improvável para um clube de futebol, sempre sujeito a alterações no seu desempenho. O único cenário que aponta para um negócio rentável exige que o Grêmio tenha uma presença quase constante em Libertadores e figure nas 4 primeiras posições do campeonato brasileiro em todos os anos.

Para demonstrar a inviabilidade do cenário exigido, basta observar que nenhum clube brasileiro nos últimos 30 anos atendeu às exigências de desempenho que colocam a construção da Arena como positiva. Ou seja, fora do cenário ótimo (praticamente impossível de ser cumprido) a construção da Arena trará prejuízos ao Grêmio. Palavras da FGV.

Se agregarmos esses fatos aos demais (falta de avaliação técnica da Azenha, falta de cálculo do valor a ser pago pela Arena, etc) não é possível enxergar como todo esse risco possa ser minimamente razoável. Vale lembrar que um risco elevado implica necessariamente em uma probabilidade de prejuízo muito elevada.

O que é incompreensível é porque não se sanam estas dúvidas agora: Bastaria (1) mandar avaliar a Azenha (não demoraria mais do que 60 dias e o custo não seria exorbitante) e (2) fazer o estudo do custo do novo estádio (é um trabalho que se resolve em poucos dias).

Há medo ou desinteresse nos resultados?

A convicção reinante é que o Grêmio pagará um valor absurdo pelo novo estádio e só esse motivo pode justificar essa nuvem imensa de dúvidas e a inexplicável ausência do cálculo do valor que o Grêmio deverá pagar pela Arena.

Evidentemente que o clube precisa crescer. Mas um clube de futebol não cresce simplesmente como conseqüência da construção de um novo estádio. Se assim fosse, o Ypiranga de Erechim deveria ter sido campeão brasileiro, talvez gaúcho, pelo menos da 2ª divisão do interior. Se assim fosse, em Cidreira deveria ter "brotado" um time de futebol minimamente razoável para fazer jus ao "Sessinzão" (pomposamente denominado Estádio Municipal de Cidreira).

Os exemplos são muitos e todos conduzem a um risco muito elevado, maior ainda ser considerarmos a grandeza do Grêmio e tudo o que está em jogo. Aliás, é sempre muito citado o ditado que "quanto maior a árvore, maior o tombo".

Não há dúvidas que o Grêmio está tentando alterar a ordem dos fatos e isso é muito perigoso, além de quase sempre redundar em um problema imenso. A construção da Arena não assegurará títulos e conquistas para o Grêmio na sua atividade fim. Pelo contrário, a construção de um estádio retirará (ver caso das penhoras do Olímpico) recursos do futebol, dificultando PERMANECER em um lugar privilegiado no cenário esportivo.

Por outro lado, uma equipe vencedora proporcionará mais recursos para manter o futebol forte e, se conveniente, construir um novo estádio.

A primeira prioridade do clube deveria ser sanar suas finanças, montar um bom time de futebol, reconquistar a confiança dos investidores, etc, e aí sim pensar em um novo estádio.

É extremamente importante fazer 4 perguntas para todos os gremistas, em especial para aqueles que têm algum poder de decisão no Grêmio:

1) Na gestão de seus bens pessoais, trocaria um terreno seu, localizado na Azenha, com 500 metros quadrados, onde existisse uma casa antiga de 100 metros quadrados (passível de uma boa reforma) por um apartamento de luxo no bairro Humaitá, com os mesmos 100 metros quadrados de área, com o agravante que ainda pagaria um pesado financiamento durante 20 anos?

2) Na gestão de seus bens pessoais faria o negócio acima referido sem saber quanto custaria esse novo e luxuoso apartamento ao longo e ao cabo de 20 anos?

3) Na gestão de seus bens pessoais, havendo dúvida quanto ao valor da sua propriedade, venderia o imóvel sem a precedência de uma criteriosa avaliação técnica?

4) Na gestão de seus bens pessoais, faria um negócio sem saber qual seria o custo final?

Se houve pelo menos uma única dúvida nas respostas às perguntas acima formuladas, é preciso refletir muito sobre todo esse negócio.

Ninguém poder ser contra o desejo do Grêmio possuir um novo estádio, pois é natural que qualquer pessoa queira ter uma casa boa, moderna, quiçá luxuosa. Mas este é o momento do Grêmio ingressar nessa empreitada? Valem os riscos que estão em jogo?

Marco Antonio Costa Souza - Conselheiro do Grêmio

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